O filme “No táxi do Jack” tem uma enorme carreira em festivais: depois de estrear na seção Fórum da Berlinale, passou por uma vintena de certames e agora chega ao Luxemburgo no âmbito do LuxFilmFest.
Este documentário ficcionado conta a história de Joaquim Veríssimo, um sexagenário que para receber o subsídio de desemprego tem de mostrar que está ativamente à procura de trabalho.
Mas longe de se enfurecer, de se manifestar contra o sistema ou de desesperar com o declínio da indústria num Portugal em crise que não lhe dá trabalho, Joaquim vai pacientemente de um lugar para o outro, recolhendo carimbos nos formulários.
Mas Joaquim não é o típico desempregado. Anda sempre vestido impecavelmente e usa um extraordinário capacete de cabelo negro azulado cortado à Elvis Presley.
O “look” de Joaquim Veríssimo reflete a sua vida e, sobretudo, a experiência como emigrante português, mais ou menos ilegal, nos Estados Unidos.
A ideia deste surpreendente filme surgiu na cabeça da realizadora Susana Nobre quando trabalhava para o programa Novas Oportunidades. Para quem não se recorda, esta iniciativa de educação de adultos tinha por objetivo requalificar parte da população portuguesa mais envelhecida e desempregada.


Curiosamente, o documentário de Susana Nobre evita entrar num registo puramente social. Na verdade, este filme é sobretudo uma investigação sobre o trabalho da memória, do regresso a um passado de emigração, porque o protagonista passou uma boa parte da sua vida nos Estados Unidos.
Joaquim ajuda muito por gosta de conversar com as pessoas, encontrar velhos amigos ou para renovar o seu esplêndido guarda-roupa. Uma personagem ideal para contar uma história e para ser o seu protagonista.
É em Nova Iorque que o filme se torna mais experimental. Para fazer o flashback – porque afinal estamos perante um documentário – Joaquim vai reencenar a situação e, de repente, estamos perante uma obra que, diríamos, saiu direitinha dos anos 70.
A técnica escolhida pela realizaora é bastante adequada à história e à estrela que é Joaquim, que tem muito de artista. Por exemplo, quando recorda um desentendimento com um amigo irlandês por causa de um empréstimo, o português mostra um cara de mau da fita como se estivéssemos num filme de Scorsese.
“No táxi do Jack” é metade “road movie” e metade um retrato de uma extraordinária personagem (não necessariamente nesta ordem). O filme depende muito do carisma do protagonista que, na realidade, não fez nada de extraordinário ao longo da vida, mas que dá vontade de descobrir.
Como motorista, Joaquim Veríssimo teve alguns clientes famosos, mas a sua vida não é fascinante. Ao enfrentar a reforma, uma lembrança da mortalidade, o homem demonstra resiliência e coragem na dignidade com que efetua esta espécie de tarefa administrativa final.
Desde que voltou para Portugal, Joaquim, o emigrante, não é um filho querido da sua pátria, mas um pobre diabo. Apesar do drama pessoal, Susana Nobre encontra espaço no seu argumento para o romance e para uma beleza improvável.
O Portugal moderno parece não ter espaço para ele, nem precisar deste Joaquim ou de outros, mas o taxista ainda está por lá, faz parte da paisagem e do país. E Portugal é mais rico por isso.

“No táxi do Jack” de Susana Nobre, com Armindo Martins Rato, Maria Carvalho e Joaquim Veríssimo.