Andrey Paounov formou-se na Academia Nacional de Artes Teatrais e Cinematográficas de Sofia, na Bulgária, e começou a trabalhar no que se tornaria uma famosa trilogia sobre os absurdos da transição pós-comunista. O realizador búlgaro assinou dois documentários, “Georgi and the Butterflies”, “The Mosquito Problem and other Stories”, filme que esteve na Semana da Crítica do Festival de Cannes, em 2007.
O seguinte documentário de Paounov, “A Boy who was King” teve direito a seleção no Festival de Toronto, enquanto o último documentário do búlgaro, “Walking on Water” teve estreia mundial em Locarno.
“January” marca a estreia de Andrey Paounov, aos 47 anos, como realizador de uma longa metragem de ficção.


O Luxemburgo tem o privilégio de poder ver “January” nos cinemas, a partir desta semana, até porque uma obra com este nome “tinha de estrear em janeiro”, como disse Donato Rotunno, um dos coprodutores do filme, porque esta realização de um búlgaro é um coprodução entre o país de Paounov com Portugal e o Luxemburgo.
A longa metragem contou com o apoio do Film Fund do grão-ducado, do Bulgarian National Film Centre e do Instituto do Cinema e do Audiovisual português. O filme é produzido pela Portokal (Bulgária), pela Terratreme Filmes (Portugal) e a Tarantula (Luxemburgo).
“January” inspira-se na peça homónima do escritor búlgaro Yordan Radichko, e conta a história de um grupo de homens presos numa tempestade de neve. O filme passa-se quase inteiramente na velha cozinha de um decadente e desolado hotel dos anos 70.
Nessa manhã de rude inverno, Petar Motorov tinha pegado no seu cavalo e no trenó e tinha viajado até à cidade. Mas, quando o cavalo regressa a casa, o trenó vem vazio, e os amigos de Petar encontram apenas o casaco do homem, a sua espingarda e um lobo congelado.
Os homens tentam resolver o mistério e descobrir o que aconteceu com Petar, enquanto o dia passa, a noite cai, e o ambiente começa a tornar-se cada vez mais sinistro.
Como saber o que aconteceu a Petar no rude caminho até à cidade? A única forma é voltar à floresta e, um a um, os homens sucumbem ao apelo.
A obra de Yordan Radichkov está enraizada profundamente nas tradições da Bulgária. “January” seduz pela descoberta do folclore local e das tradições mágicas, mas também no absurdo, um pouco à moda de Samuel Beckett.
O filme adota a estrutura de repetição, onde aparentemente estamos eternamente presos no primeiro ato. O realizador reimaginou a peça de teatro, colocando a ação do filme na Bulgária contemporânea, mas efetivamente no passado, na década de 1970. “January” acaba por propor uma metáfora para os Balcãs pós-socialistas, onde o surreal se substitui à realidade… ou será o contrário?
O espetador espera que algo aconteça, aguarda uma explicação, um desfecho, mas à medida que o filme avança, a delonga quase nos resigna com a ideia de que nenhuma resolução se seguirá.
“January” tem uma estrutura clara (e se não quer que lhe estrague a surpresa, pare de ler aqui): todos os homens que entram na floresta desaparecem e um lobo morto aparece no seu lugar.
O espetador identifica rapidamente o padrão, mas acumula questões: “o quê”, mas “como?” e “porquê?”.
A maior virtude do filme é a solução que Andrey Paounov encontrou para fazer um filme, no qual várias personagens passam a maior parte do tempo simplesmente conversando num espaço fechado. Apesar dos diálogos interessantíssimos e dos excelentes atores, a experiência é sobretudo visual e psicológica. Pois, apesar dos diálogos, é o não dito, o silêncio, que realmente importa.
“January” passa no cinema Utopia, no contexto do Cineclube Português do Luxemburgo.

“January” de Andrey M. Paounov, com Samuel Finci, Iossif Sarchadiev, Zachary Baharov, Svetoslav Stoyanov, Leonid Yovchev e Borislav Chouchkov.

Raúl Reis